Frase do dia, da semana...

Tanto para o menor como para o maior, há alguma coisa que só se pode realizar uma vez; e nesse feito o coração repousará (Fëanor, no Circulo de Julgamento, O Silmarillion)

segunda-feira, 29 de março de 2010

Grandes Traidores de Arda - Maeglin


Maeglin
Ensaio de Shirley “Edhelcalen”


A raça dos Elfos possui um dos grandes representantes da traição: Maeglin. Nascido em Nan Elmoth, filho de Aredhel e Eöl, Maeglin desde cedo ansiou por conhecer o lar de sua mãe, que lhe contava, com detalhes, as riquezas e belezas do reino escondido, Gondolin. Em um desses momentos, a semente da ambição já começa a germinar em seu coração, principalmente por ouvir sua mãe lhe contar que o rei daquele reino não tinha herdeiro, visto que para a sucessão, os Noldor consideravam a linhagem masculina:

Acumulava todas essas coisas no coração, mas sobretudo o que ouvia a
respeito de Turgon e que ele não tinha herdeiro, pois Elenwë, sua esposa,
perecera na travessia do Helcaraxë, e que sua filha, Idril Celebrindal, era a sua
única descendente
(O Silmarillion, cap. De Maeglin”)

A localização de Gondolin era segredo absoluto, afinal Melkor desejava ardentemente encontrar e destruir a Cidade Escondida, e por mais que tentasse, Maeglin não conseguia fazer com que sua mãe lhe revelasse esse segredo. Entretanto, estava disposto a usar de subterfúgios traiçoeiros para conseguir seu intento:

De maneira nenhuma a mãe revelava a Maeglin onde Turgon vivia, nem como
lá se podia chegar, e ele dava tempo ao tempo, ainda confiante de que
conseguiria arrancar o segredo à mãe ou talvez lê-lo na sua mente
desprevenida”.
(O Silmarillion, cap. De Maeglin)

E Maeglin foi recompensado pela paciência. Numa determinada ocasião, convencendo sua mãe de que eram cativos – algo que não condizia totalmente com a verdade – conseguiu fazer com
ela e ele partissem, como foragidos, para Gondolin, aproveitando-se da ausência do pai. Ao tomar conhecimento da fuga, Eöl parte ao encalço de ambos e acaba por chegar ao reino de Turgon.
Os eventos seguintes revelam duas traições de Maeglin: não atender ao pedido do pai para retornarem para Nan Elmoth; e sua impassividade diante da execução de Eöl.
Essa recusa em partir com Eöl pode, à primeira vista, dar a ilusão de ser plenamente justificada, uma vez que era seu direito permanecer onde quisesse e não obrigado a atender à uma imposição do pai. Mas, é como Maeglin o fez que merece menção, mesmo sem entrar no mérito do tipo de estrutura familiar da Terra-Média. Eöl havia se recusado a receber as boas-vindas de Turgon. Ali, ele era um estrangeiro que de alguma forma encontrou o caminho secreto. Além disso, não queria proximidades com aqueles que, de alguma forma, teriam participado do episódio do Alqualondë. Ele nada queria, exceto que seu filho ficasse junto dele. E é o que ele diz ao chamar Maeglin. Mas este nada responde, fica imóvel em silêncio. Podemos vislumbrar a cena e imaginar as feições de Maeglin nesse momento.
Numa sucessão de gestos rápidos, Aredhel acaba sendo ferida mortalmente e, como conseqüência, Eöl é condenado à morte. Talvez essa seja a passagem na narrativa que mais ilumina o caráter de Maeglin, que comparece à execução e nada diz, nem mesmo pede a compaixão do rei ou se despede do pai. Assiste a tudo sem dizer palavra, enquanto Eöl gritava pelo filho.
Entretanto, sua frieza não escapa à observação de Idril:

“... mas Idril ficou perturbada e a partir desse dia desconfiou do seu parente.”
(O Silmarillion, cap. De Maeglin)

As mortes de seu pai e sua mãe em nada afetaram os objetivos de Maeglin que passou a se destacar em tudo que fazia, caindo, assim, nas boas graças do rei.
E no coração de Maeglin nasceu seu amor por Idril, porém esta não se mostrava interessada, nem tanto pelo costume de que os Eldar não se casavam com parentes, mas por seu primo ter revelado, ainda que veladamente, o que realmente era, algo que somente Idril via. E isso não desmotivava Maeglin, mas ao lado do amor nascia o rancor:

“... Maeglin continuou a observar Idril e a esperar, e o seu amor transformou-se
em negrume no seu coração. E procurou ainda mais fazer a sua vontade
noutras questões, não fugindo de nenhum labor nem responsabilidade, desde
que por tal meio obtivesse poder.”
(O Silmarillion, cap. De Maeglin)


Em silêncio, Maeglin esperava, depositário de toda a confiança do povo do Reino Escondido.
Com a chegada de Tuor, filho de Huor, o casamento daquele com Idril e o nascimento do filho desta união, Eärendil, o negrume do coração de Maeglin cresceu, pois a ele se juntou o ódio a Tuor:

Contudo grande foi a alegria daqueles dias quando Idril e Tuor casaram-se
diante do povo em Gar Ainion, o lugar dos Deuses, próximo aos salões do rei.
Um dia de alegria foi esse casamento para a cidade de Gondolin, e da maior
felicidade para Tuor e Idril. Depois disso ambos residiram em alegria naquela
casa acima das muralhas que olhavam para o sul de Tumladen, e isto foi bom
para os corações de todos na cidade, salvo Maeglin.”
(A Queda de Gondolin)

E Idril tinha maus presságios com relação a Maeglin, pois ela possuía grandes habilidades para ler a mente e o coração de outros. E ela disse a Tuor:

Saiba, meu marido, que meu coração está apreensivo pela dúvida com relação
a Maeglin, e temo que este trará mal sobre nosso belo reino, embora de nenhum
maneira eu possa ver como ou quando.”
(A Queda de Gondolin)

As preocupações de Idril infelizmente revelaram ter fundamento.
Eis que depois que Húrin inadvertida e involuntariamente revelou a localização aproximada de Gondolin – conforme é relatado em outras passagens da história -, Melkor aumentou suas forças de orcs e outras criaturas na procura de um meio de entrar na cidade. Em conseqüência, os Gondolindrim intensificaram suas defesas, e as tentativas eram todas frustradas.
Mas, um dia, Maeglin se perdeu nas colinas, pois freqüentemente desobedecia as ordens do rei e ultrapassava o cerco da cidade, e foi pego pelos orcs. Novamente o caráter traidor de Maeglin toma forma. Para evitar ser morto pelos orcs ele lhes diz:

“... pois se me matarem, seja isto de forma rápida ou lenta, vocês perderão
grandes informações da Cidade de Gondolin, que seu mestre regozijar-se-ia ao
ouvir.”
(A Queda de Gondolin)

E Maeglin foi levado cativo para Angband e à presença do próprio Melkor. As ameaças de tortura eram, por si só, grandes motivadoras para a delação de Maeglin, mas suas motivações mais fortes foram outras:

“... mas o tormento com que foi ameaçado intimidou-lhe o espírito e ele
comprou a vida e a liberdade a troco da revelação a Morgoth da localização de
Gondolin e dos caminhos pelos quais podia ser encontrada e atacada (...) e, na
verdade, o desejo por Idril e o ódio a Tuor tornaram mais fácil a traição de
Maeglin.”
(O Silmarillion, cap. De Tuor e da Queda de Gondolin)

A alegria de Melkor, como é relatada, foi grande, e este prometeu a Maeglin tornar Turgon seu vassalo e lhe dar a posse de Idril.

E, dessa forma, o destino de Gondolin foi selado. Melkor se preparou por sete anos, estando de posse de todos os detalhes sobre a Cidade Escondida, não só dos caminhos, mas até da altura de suas muralhas, espessura dos portões e número de elfos armados.

E por todos esses sete anos, Maeglin, que fora enviado de volta a Gondolin, permaneceu calado:

“... e ele viveu nos salões do rei com o rosto sorridente e a perfídia no coração.”
(O Silmarillion, cap. De Tuor e da Queda de Gondolin)


Findos os sete anos, o ataque lançado por Melkor foi fulminante. Não apenas orcs atacaram Gondolin, mas também Balrogs e o próprio Glaurung e sua prole.
Gondolin não conseguiu conter o inimigo e muitos ali pereceram: Ecthelion, Glorfindel e o próprio rei, dentre muitos, muitos outros.
Na confusão, Maeglin tentou pegar Idril e seu filho, Eärendil, mas foi impedido por Tuor, e ambos lutaram arduamente e Maeglin morreu... sem poder usufruir dos resultados de sua traição.

Somos capazes de visualizar Maeglin caminhando por entre o povo de Gondolin, sabendo que em breve estariam todos mortos, pois ficou por sete anos no aguardo do ataque que viria de Angband. Sete anos nos quais ele poderia ter alertado o rei e seu povo para que fugissem ou alterassem os caminhos de entrada do reino e para que se defendessem melhor. Sete anos vendo que a bela Gondolin estava condenada.

Poucos conseguiram fugir pelas ruínas e, ainda assim, graças às precauções de Idril. Poucos sobreviveram para contar aquilo que foi, segundo O Silmarillion “a mais infame de todas as histórias dos tempos antigos.”


Bibliografia:
O Silmarillion: “De Maeglin”; “De Tuor e a Queda de Gondolin”
Contos Inacabados: “De Tuor e sua chegada em Gondolin”
The History of Middle-earth, v.
The History of Middle-earth, v. IV, The Shapping of Middle-earth: “The Earliest ‘Silmarillion’

Créditos: gravura de autoria de Lorraine Brevig

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